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Imprensa Nacional: "EXPRESSO" - 25   de Fevereiro de 1995

O culto do gregoriano

Será que se assiste actualmente ao renascer do canto gregoriano? É caso para o pensar, dada a diversidade de títulos que, nestes últimos tempos, têm surgido subordinados à mais antiga tradição vocal sacra do Ocidente. De entre eles, um há que mereceu já «honras» de difusão comercial nos «media». Referimo-nos ao disco de gregoriano interpretado pelos monges de Santo Domingo de Silos (EMI-Classics), por sinal o menos interessante de todos, porque até mal cantado em certas partes. De resto, todas as outras propostas, absolutamente louváveis, quer em termos de programa quer no tocante à execução, testemunham-nos a actualidade de um ritual monódico que, por o ser, se manteve até hoje de certo modo marginal, quando comparado com a muito maior aceitação da polifonia sacra.

Um dos melhores exemplos gravados deste verdadeiro «renascimento» do cantochão é da responsabilidade do Coro Gregoriano de Lisboa. O disco inclui a liturgia de Santo António, o padroeiro de Portugal. Por mais discutíveis que possam ser alguns aspectos do programa litúrgico proposto, não há dúvida que eles acabam por ter somenos importância no contexto geral da execução. De facto, interessa-nos mais a óptima qualidade vocal do agrupamento, vozes «limpas» e claras que nos transmitem toda a carga espiritual que o gregoriano encerra. O coro impõe-se aqui como um conjunto a reter em matéria de vocalidade sacra. Tudo indica que poderá, sem grandes dificuldades, vir a conquistar um lugar de destaque, em termos internacionais, no âmbito da difusão do gregoriano.

Mas se o disco fixou para a eternidade a grande sensibilidade religiosa do coro, houve quem pudesse ter assistido «in loco» ao cerimonial de culto proporcionado pelo agrupamento. Escolheu-se para o programa do «concerto» a liturgia da Apresentação do Senhor e, claro está, ainda a liturgia de Santo António, uma vez que o mote foi também o lançamento do disco em Portugal.

Realização exterior ao estatuto de concerto público, o Coro Gregoriano de Lisboa trouxe à Sé de Lisboa a «congregação dos fieis». Se bem que a ideia de poder presenciar ao vivo o culto nos pareça ter sido a mais adequada para uma cerimónia deste tipo, perguntamo-nos se, porventura, o inesperado e a surpresa do evento não terão concorrido para criar uma certa confusão na Sé. De facto, o burburinho levantado por um público bastante numeroso e, sobretudo, essenciamente curioso, não permitiu a comunhão de um sentir devoto. Porém, e até porque conseguiu encher o imenso espaço de uma catedral, o coro provarnos-ia mais uma vez a grande actualidade de uma tradição que de há muito parecia apenas destinada a alguns praticantes do culto.

FILIPE MESQUITA DE OLIVEIRA